quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

D. Nuno de Noronha e os primeiros recreios episcopais de Castelo Branco III

Em documentos antigos, nem sempre a designação de algumas palavras se afeiçoa ao significado que hoje lhes damos. Por isso, quando às vezes são referidas hortas, pomares e vinhas junto de palácios, não raro esses espaços corresponderiam àquilo que vulgarmente se chamaria hoje jardim. Com efeito, quando agora se quer sublinhar o bom trato que se dispensa a um espaço cultivado, seja de produtos hortícolas, seja de árvores de fruto, ou mesmo até de explorações agrícolas de maior dimensão, ouve-se dizer que parecem um jardim.
Esta será  a verdadeira essência de um modo de ajardinar português, arreigado a práticas muito antigas, difundidas pela cultura romano-islâmica, que tiram partido da conciliação  do binómio produção/recreio. Mesmo quando  o jardim português se mostra muito sensível às oscilações do gosto, e às transformações estilisticas que o mesmo impõe, que podem consumar-se na concepção de um jardim muito cenográfico, como  aquele que mandou fazer D. João de Mendoça, nunca deixa de revelar elementos que o ligam  aos modos antigos, onde a água dos tanques de rega, o cheiro das árvores de fruto, e uma assumida definição espacial de interior,  conjugando-se com os programas decorativos ditados por ideais estéticos renovados, se apresentam como elementos fundamentais e reveladores de uma certa ancestralidade. 
É de crer que os recreios fundados por D. Nuno de Noronha se inscrevessem num modo de ajardinar onde se tirasse partido dos locais produtivos adjacentes ao seu paço, as tais hortas e olivais que reduziu a melhor estado, segundo a documentação de arquivo. Talvez por isso tenha sido mais fácil a D. João de Mendoça proceder  a uma completa transformação do jardins do paço, quando ali encontra apenas hortas, vinhas e pomares, de onde, muito presumilvelmente, o elemento decorativo e escultórico estaria ausente.

Documento

1614- Treslado do século XVIII (?). Arquivo nacional da Torre do Tombo. Câmara Eclesiástica de Castelo Branco. Diversos, maço 2047. Documento disperso.

«D. Nuno de Noronha, Bispo da Guara, fundou na vila de Castelo Branco umas casas e paços episcopais e as circundou de várias propriedades que comprou e que eram hortas, vinhas, olivais e várias casas- que tudo reduziu a melhor estado.
Para esta compra gastou muito de sua fazenda e morrendo deixou 425$000 réis de dívida a D. Violante de casteo, Condessa de Odemira, que não havendo dinheiro e bens móveis intentou demanda contra a dita fazenda e alcançou sentença, cuja execução recai na horta defronte da casa- hoje quinta- e mais três casas mistas com a mesma horta - e outras além do Convento da Graça e Coelheira- em outro tempo tapada com olival.
Andando os bens em praça lançou Gaspar Correia barreto em eles e os comprou por 437$000 e tantos réis o que com consentimento da sua mulher trespassou esta para D. Afonso Furtado de mendonça, que então era bispo da Guarda, aos 18 de janeiro de 1614 e destas fazendas tomou posse judicial.

Escrivão- manuel de Oliveira
Juiz- Francisco Valadares

E outra dívida de 120$000 réis ao Doutor André leitão, mestre escola de Viseu, do tempo que serviu de provisor e vigário geral quando D. Nuno de Noronha foi Bispo de Viseu.
esta dívida foi julgada provada e por sentença e se fez execução no Olival Basto e vinha contígua que andando em praça não houve quem alcançasse e só o dito D. Afonso Furtado como pessoa particular mandou fazer lanço por seu procurador que ofereceu 124$000 réis por carta de arrematação de 18 de Abril de 1614, sendo escrivão Sebastião Caldeira e corregedor Pedralves de Miranda.
Item. D. Afonso Furtado comprou com seu dinheiro por preço de 65$000 réis a Sebastião Coelho, fidalgo da casa de Sua Magestade, contador do Mestrado de Cristo, e a sua mulher, D. Maria, quatro moradas de casas, que hoje servem de palheiro da mitra a 21 de maio de 1614» 




Sem comentários:

Enviar um comentário